08/11/2018

Vão os cursos online tirar o lugar às universidades tradicionais? - Parte 2



Na primeira parte, apresentei um pouco o que são os cursos online, ou MOOC, e o potencial que têm de chegar a milhões de pessoas sem a limitação geográfica ou temporal.

Estes cursos têm ganho cada vez mais adeptos, e de todas as idades, cuja vontade de aprender é tanta que mesmo sem horários e, muitas vezes, sem qualquer apoio, procuram aumentar o seu conhecimento de todas as formas possíveis, pondo-se à prova no dia a dia, no trabalho e nos seus projetos e relações.

E esta discussão tem, em parte, o objetivo de analisar se as universidades têm ou não como implementar este modelo acessível e interativo. Começando pelas vantagens que as instituições podem
tirar de alinhar na tendência e realidade futura talvez não tão longínqua quanto isso, ainda podemos discutir a questão da avaliação, que é, talvez, o maior "problema" que o modelo online levanta.

Vejamos algumas vantagens deste modelo no ensino universitário:
  • Menos investimento - este modelo exige das universidades algum equipamento de filmagem e de informática, mas pouco mais - nada que se compare aos grandes edifícios cheios de material, mobiliário, etc. 
  • Maior acesso - para os alunos, exige um computador ligado à internet para aceder aos conteúdos, mas não exige uma deslocação de vários meses ou até anos para uma cidade e país diferentes, custos elevados que muitos não têm como investir.
  • Mais alunos - não tem de haver a limitação da capacidade das infraestruturas para albergar alunos curiosos e interessados
  • Maior dinâmica - com mais alunos, vem a oportunidade de ter discussões mais dinâmicas, cruzar pontos de vista diferentes e trazer mais experiências para os grupos
A meu ver, diminuir as barreiras no acesso ao ensino, em especial as barreiras financeiras, é uma luta que vale a pena combater. Ninguém tem "culpa" do meio onde nasce, dos privilégios que tem ou não à partida. Quanto menos barreiras destas houver, mais depende do mérito de cada um, e mais potencial temos para evoluir enquanto sociedade.

Já dizia Nelson Mandela:

"A educação é a arma mais poderosa para mudar o mundo"

A educação é a arma mais poderosa para mudar o mundo



Avaliação

Muitos questionam a questão da avaliação, as dúvidas que levanta se os resultados obtidos foram realmente atingidos por este aluno ou outra pessoa. É uma dúvida legítima, se bem que eu sou um pouco crítica desta questão da avaliação tradicional.

Aqui há uma opção aplicável a alguns casos, que já é utilizada nalgumas instituições em Portugal: exames obrigatórios presenciais. Os conteúdos e trabalhos são dados em aula e transmitidos online, para dar oportunidade de quem está longe aceder à matéria e quem está perto poder continuar a ter uma experiência mais tradicional de sala de aula. Marcam-se depois os exames com antecedência para coincidirem num curto espaço de tempo para os que estão longe poderem marcar viagens e reservar esse tempo para serem avaliados. Assim, pelo menos nos exames, os professores têm a certeza que a nota é mérito dos alunos.

exames standard avaliação incorreta faculdade

Há ainda as universidades que fazer "cursos" online de algumas cadeiras e cujos certificados contam como créditos para entrar nessas universidades como ensino tradicional in loco. É uma opção meio termo, entre o não certificar um curso online e dar a certificação completa de ensino superior.

No entanto, argumento meu, talvez esteja na altura de repensar as avaliações.

As avaliações tradicionais são testes em que um aluno está numa sala, sem contacto com o mundo exterior, sem ferramentas e sem debate, num tempo muito limitado, e onde lhe é exigido que demonstre todos os seus conhecimentos acerca de um tema. E repete isto isoladamente para cada cadeira, como pequenas ilhas.

Não pode haver a distopia de que um profissional vai trabalhar sozinho numa ilha deserta sem um computador ou telemóvel que seja ligado à internet. Uma empresa que funcione assim, não funciona muito tempo...



Certificação

Isto foi uma evolução complexa do ensino e da certificação, e compreende-se em áreas como a engenharia, medicina, entre outras - em que o que está em causa são vidas. Nenhuma universidade quer certificar uma pessoa cujas demonstrações de conhecimento não são dela e, com isso, pôr em risco de vida de milhares de pessoas. Quem tem estes cursos tem, obrigatoriamente, de saber trabalhar excecionalmente bem e saber o que está a fazer em todas as situações assim que tem o canudo na mão, sem discussão, mas não são, de todo, uma maioria.

O que aconteceu é que noutras áreas em que não existem estes riscos, o sistema foi copiado. Em áreas cujos cursos são apenas as bases para a aprendizagem que só o meio profissional vai trazer, este tipo de avaliação faz menos sentido. Há mercados tão dinâmicos que precisam de fundações ligadas ao improviso, à adaptabilidade, reconhecer riscos, o que funciona ou não, e durante quanto tempo. Isto envolve trabalhar em equipa, saber funcionar com os equipamentos e procurar pessoas que nos podem levar a outro nível.

Acho que tentámos controlar demasiado se os alunos sabem ou não a matéria, de tal forma que estamos a ensinar gerações a passar a testes em vez de dominar os conteúdos. Se, através de trabalhos e projetos fora do controlo da universidade, os alunos conseguem corresponder aos objetivos, não é isso mais importante? Não é isso que se quer? Mesmo que envolva outra pessoa, acaba a ser trabalho de equipa ou, noutro termo mais "fino", resourcefulness.

Networking trabalho de equipa aprendizagem prática


De volta ao mundo online, talvez a avaliação e certificação neste novo modelo não seja uma coisa assim tanto de outro mundo, mas antes uma pista para repensar o modo como é feito agora e quais as opções para o futuro.


A refletir

Não acredito que o modelo de cursos online difundido como está hoje venha a ser amplamente utilizado pelas universidades para atribuir graus académicos aos alunos. Não só pela avaliação final e responsabilidade que é um professor "passar" um aluno quando não o conhece, não conhece o trabalho que fez ou como lida com as situações.

Estes MOOC são, como o nome indica, "massivos" e existem limitações que os professores naturalmente têm para acompanhar os alunos e conseguirem tirar todas as dúvidas, resolver todas as questões e acompanhar todos os trabalhos e avaliações se milhares de alunos conseguissem aceder 24 horas por dia, 7 dias por semana aos conteúdos e quisessem ser avaliados e certificados. Nem os que são limitados no tempo e certificados contam a 100% para equivalências de cadeiras nas instituições, precisamente pela falta de acompanhamento que seria de esperar de um ensino superior de excelência.

Suponho que um bom modelo para começar seria disponibilizar os cursos online, talvez criando turmas de número limitado, e manter uma avaliação mista, que permita aos alunos pensar e recorrer ao máximo de ferramentas possível para os projetos, e um exame presencial que permita aos docentes ter uma noção mais pessoal de quem estão a avaliar e do potencial e capacidades técnicas de cada aluno. 


Para quem são, hoje, os cursos online?


Os cursos online são, em boa verdade, para quase toda a gente que tenha um acesso a um computador com internet. Mas pessoas diferentes procuram cursos diferentes, e aqui entra um ponto que quero frisar porque os nossos objetivos de aprendizagem também variam consoante os nossos objetivos.

Há 3 motivos para nos inscrevermos num curso gratuito: 

  1. É um tema interessante, pode servir para um passatempo ou projeto pessoal
  2. É uma área relevante a nível profissional que pode fazer a diferença em termos de progressão na carreira
  3. É uma área essencial no percurso académico tradicional

Na maioria dos casos, estes três motivos podem dispensar ou diminuir a relevância do certificado e, assim, aumentar o número de oportunidades de aprendizagem, pois podemos aceder a conteúdos em sites que só cobram pelo certificado. _Isto porque o domínio dos conteúdos é muito mais importante, especialmente se conseguirmos aplicá-los bem no mundo real, seja em projetos, seja no nosso trabalho ou para consolidar a matéria da universidade e perceber melhor os conceitos. 

A certificação passa a ser relevante se as empresas para as quais queremos trabalhar exigirem esses certificados ou se as universidades aceitarem esses certificados como créditos para entrar ou ter equivalência às cadeiras. São casos que existem e variam sempre, mas estes são os únicos dois casos que, a meu ver, podem levar-nos a pedir essa certificação e passar pelo processo adequado.

Dois exemplos pessoais:
Cursos online de línguas idiomas duolingo

  1. Da minha experiência, a minha curiosidade pelo Italiano levou-me ao Duolingo (depois de uma tentativa exaustiva e sem sucesso de aprender Árabe no Alison). A interatividade é excelente e eu queria apenas ter noções e poder pelo menos compreender a língua - dado o volume de turistas no Algarve, línguas é sempre uma mais valia.
  2. Outro caso interessante foi a aprendizagem sobre redes sociais, comunicação, estratégia e empreendedorismo, dos diversos cursos online em que participei. Numa altura menos boa em que não conseguia aprender nada num ano na universidade, valeram-me essas base que já tinha aprendido antes para conseguir passar a uma série de cadeiras.

Aqui podes ver que enveredei neste mundo e consegui responder a duas situações diferentes: interesse pessoal e percurso académico. Para nenhum destes queria certificado, mas antes dominar os conteúdos e adquirir conhecimentos

É importante teres definido o que queres com determinado curso (ou cursos) online que vás fazer, para gerires as tuas expetativas e saberes até onde podes ir. Apesar de acessíveis, estes podem exigir algum investimento, tanto de tempo como de dinheiro. Até onde vale a pena, para ti, investir? O que pretendes com esse investimento?

Procura as versões gratuitas primeiro para veres o que tem qualidade ou não, e talvez encontres o que procuras sem teres de pagar por isso ;)



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Disclaimer
Com este artigo não pretendo retirar o mérito às universidades, em Portugal ou noutro sítio qualquer. A meu ver, no entanto, o modelo está desatualizado e o potencial do ensino por profissionais de topo que só encontramos, muitas vezes, nesse meio, está a ser desaproveitado.
Além disto, o meu objetivo com este texto é chamar à atenção para um ponto importante que é a valorização do ensino e a sua importância no combate à pobreza e outros temas que têm sido entraves ao desenvolvimento da sociedade e à dignidade de tantas pessoas. É sabido que quem nasce em meios desfavorecidos tem muito mais dificuldade em ter boas carreiras e vidas mais equilibradas, e isso é negativo tanto para os próprios como para a humanidade como um todo, quando temos capacidade para fazer melhor e atingir outros patamares em áreas como a justiça, a saúde, a tecnologia, etc. 
Vale a pena repensar estes temas, por todos.

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